segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Uma Anatomia dos Animais Domésticos que revela a Anatomia da Educação Brasileira


Já era hora do almoço desta sexta-feira quando aproximadamente 40 estudantes de Medicina Veterinária da UFMG (a maioria do 2º período do curso), dentre outros, rumaram para o prédio da Reitoria da Universidade. Munidos de um ofício elaborado por eles em conjunto aos Diretórios Acadêmicos da Escola de Veterinária e do ICB (e com mais de trezentas assinaturas), tinham por intenção protocolar e, da maneira que fosse possível, expor desde já a situação em que se encontra o Laboratório de Anatomia dos Animais Domésticos do ICB, onde é ministrada integralmente a disciplina “Anatomia dos Animais Domésticos”. O ofício por si já diz muita coisa, mas reforçaremos aqui os fatos.


Todo estudante de Veterinária sabe da importância desta disciplina no currículo. E quem a cursou pelo menos nos últimos cinco anos evidenciaram diversos problemas. Dos mais perceptíveis a princípio está a falta de peças, fruto da falta de renovação e dificuldades na conservação das mesmas. Nos últimos semestres a situação se agravou devido à perda de espaço físico, fazendo com que as cubas com formol ficassem próximas à sala, tornando-o um ambiente mais insalubre do que já era.  Chegou-se ao fundo do poço neste semestre, com a saída do único servidor técnico-administrativo que dava suporte ao Laboratório. Desta maneira os estudantes estão seriamente prejudicados. Daqui duas semanas, quando termina a parte de estudo dos ossos na disciplina, existe o risco de não haver continuidade na disciplina, devido à falta de pessoal para auxiliar o desenvolvimento dos conteúdos seguintes (que envolve dissecação de carcaças como elemento chave).
E munidos disso lá foram os estudantes à reitoria. Conseguiram entregar o ofício pessoalmente para o Reitor Clélio Campolina e Vice-Reitora Rocksane de Carvalho. Também foi entregue à Pró-Reitora de Graduação, Profª Antônia Vitória, à Pró-Reitoria de RH, ao diretor do Instituto de Ciências Biológicas, Tomaz Aroldo da Mota Santos e ao diretor da Escola de Veterinária, José Aurélio Garcia Bergmann. A perspectiva atual é de aguardar alguma resposta até quarta-feira que vem, dia 17 de Agosto, quando os estudantes irão se reunir novamente para avaliar a situação.
Esse fato descrito acima já justifica toda mobilização destes estudantes. Porém, mesmo que seja conquistadas vitórias das causas mais urgentes, será necessária uma articulação permanente a fim de que o pouco que temos nos seja tirado. Afinal, essa situação do Laboratório de Anatomia não é obra do acaso, não é uma situação pontual. Em várias universidades públicas do país podemos detectar situações muito parecidas com essa. Na UFAL, estudantes de veterinária entraram em greve no início do ano reivindicando por melhores condições no curso. Na UFBA, os estudantes de veterinária também deflagraram greve por conta das péssimas condições do curso, sobretudo em virtude da expansão que vive a Universidade em consequência ao Reuni. Na UFMG diversos cursos passam por dificuldades. Há turmas no prédio da Belas Artes que sequer tem sala para assistirem aula.
Todos esses problemas são fruto das políticas para a educação vigentes em nosso país há um bom tempo e, principalmente, são fruto do descaso histórico dos governos no que tange ao investimento na educação. Atualmente o Estado investe pouco mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na educação. O PNE (Plano Nacional de Educação) 2001-2010[1] previa um investimento de 7% do PIB na educação. O Governo de Fernando Henrique Cardoso vetou, já em 2001, a destinação deste montante para a educação. Durante os oito anos do Governo Lula o veto foi mantido e o investimento em educação não chegou nem perto do previsto pelo PNE. Este plano teve dois terços de suas metas não cumpridas, e o principal motivo alegado foi a falta de verbas para sua concretização. Atualmente o Governo Dilma está propondo o PNE 2011-2020[2]. Este plano mantém a proposta do investimento de 7% do PIB pra educação, além de propor mais uma série de medidas que acabam por aprofundar a crise da educação.  Ou seja, a proposta que se tinha para 2010 se mantém para 2020. Assim acumularemos 20 anos, uma geração inteira, de atraso no financiamento da educação.
Há muito que se debate a necessidade de amplos investimentos nos setores sociais, e há muito que se rebate com velhas retóricas de que o Estado brasileiro não possui dinheiro para tal. Oras, não é isso que se vê quando se é permitido aumento aos parlamentares, comprometimento do orçamento para pagamentos das dívidas públicas (cuja origem remete fortes indícios de ilegalidade[3]), bem como o corre-corre para se financiar empreiteiras e esconder repasses públicos nas licitações das obras da Copa do Mundo de 2014. Pois é, o Mineirão parece ocupar o lado rico da Avenida. Já do lado de cá, pode-se considerar que situações como a da disciplina de Anatomia dos Animais Domésticos na UFMG vão continuar existindo ou até mesmo irão se aprofundar. Portanto é preciso também que a mobilização destes estudantes também se dê no sentido de lutar pelo aumento de verbas pra educação pública, e para tanto fica o acúmulo de diversos movimentos que defendem uma educação pública de qualidade, reivindicando para tal o mínimo de 10% do PIB. E que se faça também um verdadeiro debate sobre o próximo PNE, suas consequências para o ensino e se de fato representará nossos anseios.


[1] Em síntese, o Plano Nacional de Educação são um conjunto de medidas que nortearão os rumos da Educação no país em um período de dez anos. Nele se estipula objetivos para o período, prioridades e traça algumas políticas públicas para o cumprimento do mesmo. O PNE 2001-2010 pode ser visto no link: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf
[3] Embora já encerrada, a CPI da Dívida trouxe importantes elementos para estudo do endividamento do Estado Brasileiro. Um compilado e atualizações constantes podem ser conferidas no link: http://www.divida-auditoriacidada.org.br/config/artigo.2009-08-30.2737209619/document_view

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